"Vieste...
E me falaste de alguém infiel que traíra tua vida,
E a quem deras, no entanto, teu amor...
Vieste, e me falaste a linguagem de fel, da tua alma ferida,
E em teus olhos havia, atormentada e presa, uma imensa tristeza, um profundo amargor...
Quem te viu como eu vi, - a falar a linguagem da suprema amargura,
Da incurável desilusão,
Como quem abatido chega ao fim da viagem
E encontra um velho sonho de ventura em pedaços no chão...
Quem te viu como eu te vi - beirando o precipício e quase em desatino,
Sem saber procurar sequer um novo início para o teu destino...
Vieste... E eu dei-te o abrigo dos meus braços,
Comovi-me e senti meus olhos baços diante da tua dor...
E sem que eu própria saiba como consegui,
Aos poucos, muito aos poucos, dia a dia, eu vi que vencias o infiel, o amargurado amor...
Uma tarde, em que te vi chegar, rindo e chorando,
Numa emotividade que punha em teu olhar imprevisto esplendor
Pensei que nessa tarde enfim eu te pudesse desvendar meu segredo de felicidade
E pedir o teu carinho para o meu amor...
Chegaste... me estendeste a mão e me disseste,
Entre terno e comovido:
"Ah, minha amiga! Nem tu compreenderás todo o bem que me fizeste, agora que afinal posso seguir de novo, radiante, sem perigo...
E entre terno e comovido, silenciaste
E me entregaste a mão...
Era a despedida...
Pior que a despedida: - era a separação...
Num derradeiro gesto impensado, numa alegria louca,
No instante de partir:
Beijaste-me na boca
E te foste a sorrir...
Para quê?
Para que beijaste-me na boca?
Hoje a minha alma sofre
E o meu desejo goza
A angústia dessa lembrança...
Ah, meu amor... O quanto foste louco...
E impiedoso...
E quanto foste criança!"
Poema de J.G. de Araujo Jorge, extraído do livro
"Meu Céu Interior", 1ª edição, 1934
Poema de J.G. de Araujo Jorge, extraído do livro
"Meu Céu Interior", 1ª edição, 1934
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